Deficiência de Leptina

Traduzido para Português pelo Grupo Nacional de Estudo e Investigação em Obesidade Pediátrica (GNEIOP). Tradutora: Benedita Bianchi Aguiar. Revisor: Miguel Costa.

Autora(s):

 Beatrice Dubern Beatrice Dubern
Departamento de nutrição e gastroenterologia pediátrica |
Hospital Trousseau | Paris | França
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Introdução

A via leptina/melanocortina apresenta um papel preponderante no controlo da ingestão de alimentos. A sua ativação decorre da libertação sistémica de leptina adipocina (LEP) e sua interação subsequente com o recetor de leptina (LEPR), localizada na superfície dos núcleos arqueados do hipotálamo (figura 1).

Os sinais downstream que regulam a saciedade e a homeostasia energética são propagados pela via propiomelanocortina (POMC), pelo transcrito regulado pela cocaína e anfetamina (CART) e pelo sistema de melanocortina1. Enquanto os neurónios POMC/CART sintetizam o peptídeo anoréctico alfa melanocítico hormona estimulante, um grupo separado de neurónios, que exprime o neuropeptídeo Y (NPY) e a proteína agouti-related (AGRP), actua como um potente inibidor dos receptores melanocortina 3 (MC3R) e melanocortina 4 (MCR4).

Mutações nos genes humanos responsáveis pela codificação destas proteínas conduzem ao aparecimento de obesidade severa de início precoce, com um rápido e dramático aumento de peso logo após o nascimento. As mutações do gene LEP são particularmente responsáveis pela deficiência congénita de leptina, com obesidade severa e anomalias endocrinológicas associadas.

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Figura 1 : A via leptina/melanocortina
A população neuronal propaga a sinalização de várias moléculas (leptina, insulina, grelina) para o controlo de ingestão alimentar e a sensação de saciedade. Os neurónios-POMC nos núcleos arqueados são ativados pela leptina e insulina, produzindo hormona alfa-melanocítico estimulante (alfa-MSH), que ativa posteriormente o recetor MCR4 no núcleo paraventricular, resultando na emissão do sinal da saciedade.
O papel derivado do SIM1, BDNF e TKRB está a ser presentemente investigado. Um grupo separado de neurónios que expressam NPY e AGRP produzem moléculas que agem como inibidores potentes da sinalização MCR4. Diversas mutações dos genes envolvidos na via leptina/melanocortina são responsáveis pelo aparecimento de obesidade severa de início precoce.

 

Fenótipo

O papel da leptina foi descoberto em estudos que envolviam ratos ob/ob severamente obesos que apresentavam a mutação no gene LEP, resultando em ausência de leptina circulante2. Menos de 20 indivíduos portadores do gene foram identificados, desde 1997.

Inicialmente, foram relatados dois primos severamente obesos de uma família consanguínea de origem Paquistanesa, com valores indetetáveis (<1ng/mL) de leptina. Apresentavam uma mutação homozigótica do gene LEP (∆133G), resultando numa proteína incompleta e não secretada3. Desde então seis indivíduos afetados, de quatro famílias não relacionadas, foram identificados como tendo a mesma mutação4,5. Adicionalmente, foram descritos casos de uma família turca (5 elementos), portadores da mutação missense (C105T), e um doente obeso egípcio com uma mutação N103K de substituição6-8. Por ultimo um adolescente austríaco de 14 anos, portador de uma mutação no gene LEP (L72S), foi descrito recentemente, conduzindo também a níveis indetetáveis de leptina sérica9.

Quase todos os doentes são caracterizados por obesidade de início precoce, associada a hiperfagia severa e anomalias endócrinas, tais como hipogonadismo hipogonadotrófico. De facto, doentes com défice de LEP desenvolvem obesidade de forma rápida durante os primeiros meses de vida (peso > 30Kgs antes dos 4 anos de idade). O IMC destes doentes é maior de que 40Kg/m2 e está associado a mais de 50% de massa gorda, com perda de energia em repouso relativamente normal. O comportamento alimentar é caracterizado por maior hiperfagia e apetite voraz10, exceto em casos raros, tais como o descrito recentemente numa criança austríaca com obesidade menos severa (IMC 31.5Kg/m2, z score IMC 2.46SD), com muito baixa ingestão calórica diária, apesar de um aumento de consumo de calorias numa refeição teste9. Não obstante este caso específico, a obesidade severa de início precoce associada a maior hiperfagia, são reconhecidamente as principais caraterísticas clínicas da deficiência LEP que justificam a mensuração dos níveis circulantes de leptina4,10.

Anomalias endocrinológicas, tais como hipogonadismo hipogonadotrófico, encontram-se presentes em todos os doentes. Os portadores da mutação LEP são incapazes de apresentar um normal desenvolvimento pubertário8. Em contraste com os ratos ob/ob, que apresentam marcada hipercortisolémia, indivíduos com deficiência de LEP apresentam níveis de cortisol dentro do intervalo normal. Valores elevados de infeção estão igualmente descritos, assim como uma deficiência de células T, quer em número quer em função, sugerindo um envolvimento da leptina no sistema imune11,12. Relativamente às características metabólicas, o hiperinsulinismo está presente em todos os doentes, tal como descrito nos ratos ob/ob. Ozata et al. relatou anomalias do funcionamento do nervo simpático, em doentes com insuficiente LEP, consistentes com falhas da via simpática eferente do membro na termogénese8.

Tratamento

A deficiência de leptina é uma situação particular de obesidade extrema, para a qual uma opção terapêutica se encontra disponível. Crianças e adultos com deficiência de leptina beneficiam de injeções subcutâneas diárias da mesma, resultando em perda de peso, principalmente massa gorda, com maior efeito na ingestão de comida e em outras disfunções, incluindo a imunitária, como descrito anteriormente4. A microanálise detalhada do comportamento alimentar de 3 adultos com défice de leptina, antes e depois da terapêutica com leptina, revelou diminuição do consumo global de comida, velocidade de ingestão mais lenta e menor tempo de duração de cada refeição nos 3 indivíduos estudados.

Este estudo apoia a utilização de leptina como fator influente na motivação para comer que antecede as refeições13.

A terapêutica com leptina foi capaz de induzir aspetos da puberdade em adultos, tal como ilustrado no tratamento de um jovem adulto, de 27 anos de idade, com hipogonadismo10. Em duas mulheres com idades compreendidas entre os 35 e 40 anos, a terapêutica com leptina levou a um período menstrual regular e picos hormonais de progesterona, evocando o padrão de ovulação. Embora a deficiência de cortisol não tenha sido inicialmente diagnosticada em doentes com deficiência de LEP, após oito meses de terapêutica, a pulsatilidade do cortisol encontrava-se aumentada, com maior aumento matinal dos níveis de cortisol. A leptina poderá apresentar impacto na função hipotalâmicas-pituitária-adrenal, até agora desconhecida em humanos.

Por último, os parâmetros metabólicos em doentes com deficiência de leptina melhoraram, concomitantemente, com a perda de massa gorda.

 

Conclusão

O diagnóstico de deficiência de leptina deverá ser levantado em casos de obesidade extrema de início precoce, associados a alterações endocrinológicas (hipogonadismo hipogonadotrófico), próximo ao modelo murino. Doses indetetáveis de leptina circulante (<1ng/mL), associado à identificação do gene mutado LEP por sequenciação direta, confirmam o diagnóstico, levando ao início do tratamento de substituição. A deficiência de leptina é uma situação particular de obesidade extrema, para a qual uma opção terapêutica se encontra disponível.

 

Bibliografia

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  3. T. Montague, I.S. Farooqi, J.P. Whitehead, M.A. Soos, H. Rau, N.J. Wareham, et al. Congenital leptin deficiency is associated with severe early-onset obesity in humans. Nature 1997;387:903-8.
  4. S. Farooqi, G. Matarese, G.M. Lord, J.M. Keogh, E. Lawrence, C. Agwu, et al. Beneficial effects of leptin on obesity, T cell hyporesponsiveness, and neuroendocrine/metabolic dysfunction of human congenital leptin deficiency. J. Clin. Invest 2002;110:1093-103.
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  10. Licinio, S. Caglayan, M. Ozata, B.O. Yildiz, P.B. de Miranda, F. O’Kirwan, et al. Phenotypic effects of leptin replacement on morbid obesity, diabetes mellitus, hypogonadism, and behavior in leptin-deficient adults. Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A 2004; 101:4531-6.
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