Fatores de risco da Obesidade Infantil: Lições do Estudo europeu IDEFICS

Traduzido para Português no âmbito da iniciativa PerMondo (traduções gratuitas das páginas web e documentos para associações sem fins lucrativos). Projeto dirigido por Mondo Agit. Tradutor: Heitor Katlauskas Muraro. Revisor: Paulo Paz.

Autora(s):

 Wolfgang Ahrens Wolfgang Ahrens
Departamento deMétodos Epidemiológicos e Pesquisa Etiológica, Instituto Leibniz
para Pesquisa em Prevenção e Epidemiologia – BIPS, Bremen, Alemanha
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Iris Pigeot Iris Pigeot
Departamento de Biometria e Gestão de Dados, Instituto Leibniz para Pesquisa
em Prevenção e Epidemiologia – BIPS, Bremen, Alemanha
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Introdução

A prevalência de obesidade em crianças está aumentando na maioria das regiões do mundo1,2,3,4. Dados recentes indicam que essa tendência tem seestabilizado em alguns países desenvolvidos como os EUA, Austrália e alguns países europeus,5, 6, 7, 8, 9,mas o nível é ainda muito alto.Como o caminho usual que leva à obesidade já se inicia cedo na vida, é importante entender as causas e mecanismos que levam a essa patologia e encontrar uma maneira para interferir preventivamente de maneira primária e eficaz em crianças pequenas.

A avaliação da epidemia de obesidade mundial torna-se dif[icil pelo fato de que diferentes sistemas de referência são usados para classificar osobrepeso e aobesidade em crianças, o que leva a diferentes estimativas de prevalência10, 11. Esse problema é agravado pelo uso de diferentes metodologias antropométricas na ausência de um protocolo padronizado comumente aceito12.

O estudo IDEFICS (Identificação e prevenção de efeitos induzidos por dieta e estilo de vida em criançase recém-nascidos) investigou a etiologia de doenças e patologias relacionadas à dieta e ao estilo de vida com um forte foco em sobrepeso e obesidade em um grande grupo coorte de 16.228 crianças europeias, de 2 a 9 anos, que foramselecionadas de oito países europeus. De acordo com o protocolo padronizado, o estado do peso e os resultados na saúde relacionados, como pressão arterial e resistência à insulina, determinantes comportamentais diretos, como atividades físicas e dieta, e determinantes indiretos como fatores sociais e psicológicos, foram medidos. Dessa maneira, oestudotentou identificar as causas que levam à obesidade e outros resultadosque interferem na saúde ao analizar a interação de potenciais fatores de risco.Detalhes dos objetivos, projeto de estudo original, as medidas propostas e uma descrição da amostra do estudo foram publicados anteriormente13, 14, 15. Além disso, o estudo IDEFICS desenvolveu, implementou e avaliou um programa de intervenção orientada na comunidade, para prevenção primária da obesidade em um projeto de estudo monitorado16. Para isso, em cada país, as regiões de intervenção e controle foram selecionadas com um perfil sócio-demográfico comparável. Nas regiões de intervenção, uma série coerente de módulos de intervenção foi implementada, focando na dieta, atividade física, e a capacidade em lidar com o estresse, agrupadas em seis mensagens-chaves.

Neste capítulo iremos apresentar o esboço da parte etiológica desse estudo de coorte de multi-centros. Além disso, usar as seis mensagens-chaves como um ponto de partida para alguns resultados queserão discutidos, em que focaremos nos potenciais fatores de risco da obesidade infantil.

 

Esboço, tópicos e métodos

Tópicos de estudo

Uma coorte de 16.228 crianças de idades entre 2 e 9 anos foi examinada em uma pesquisa de base em oito países europeus espalhados entre o norte e sul, leste e oeste (Suécia, Alemanha, Hungria, Itália, Chipre, Espanha, Bélgica, Estônia) do outono de 2007 à primavera de 2008. Essa pesquisa padrão (T0) foi o ponto de partida para o estudo de coorte prospectivo com os maiores estudos de coorte europeus estabelecidos até então15. Os mesmos módulos de pesquisa foram implementados no padrão (T0) e no acompanhamento (T1), dois anos depois.

O estudo não foi projetado para fornecer uma amostra representativa para cada país. Todas as crianças no grupo de idade definidoque residiam nas regiões delimitadas e que frequentavam as escolas primárias selecionadas (primeiro e segundo anos), pré-escolas ou jardins de infância foram selecionadas para participação. Asrianças foram assistidas pelas escolas e jardins de infância para facilitar uma inscrição igualitária entre todos os grupos sociais. Além da assinatura no formulário de consentimento dada pelos pais, a cada criança foi solicitado um consentimento informado imediatamente antes do exame. Os participantes tinham total liberdade de excluir módulos específicos, como coleta de sangue. Assim, os resultados apresentados abaixo são baseados em diferentes subgrupos e tamanhos de amostra, que estão descritos com mais detalhes nos respectivos artigos originais.

Questionários

Os pais preencheram um auto-questionário para avaliar fatores gestacionais, comportamentais e sociodemográficos e um questionário sobre os hábitos alimentares das crianças (CEHQchildren’s eating habits questionnaire) para registrar a frequência na alimentação e hábitos alimentares. Esse foi complementado por um programa alimentar de 24 horas registrado em computador (24-hdr24-hour dietary recall). Aos pais foi oferecida ajuda para preencher os questionários. Além disso, uma entrevista médica pessoal foi realizada porum dos pais .

O nível educacional de acordo com a Classificação Internacional de Padrão de Educação (ISCEDInternational Standard Classification of Education)17, renda familiar (usando categorias específicas para cada país com base na média da renda líquida), situação de emprego, dependência de auxílio social e passado migratório dos pais foram registrados.

Exames

O programa de exame incluiu medidas antropométricas padrão18;parâmetros clínicos como medição da pressão arterial, coleta de urina, saliva e sangue para parâmetros médicos mais avançados e análises genéticas; e acelerômetro para avaliar a atividade física. Outros exames foram apenas aplicados em subamostras, seja porque elas não fossem viáveis em crianças pequenas (ex: testes de aptidão física, percepção sensorial) ou porque eram muito caros (ex: ultrassonografia do calcâneo para avaliar a rigidez óssea , análise dos ácidos graxos do sangue). Preferencialmente, todos os exames de uma criança foram realizados no mesmo dia, mas isso nem sempre foi viável. Um componente inovador do programa sensorial de exame da percepção gustativa foi examinado, e cinco sabores foram incluídos, a sabor, açúcar e sabor de maçã no suco de maçã (o último não foi testado no Chipre), bem como glutamato monossódico, sal e gordura em biscoitos. Testes de comparação foram usados para avaliar a preferência por cada gosto. Isso significa que cada criança tinha que escolher asua amostra preferida de comidadentro de duas opções, que consistia de uma amostra de referência e uma versão modificada. Cada criança provou a referência antes da versão modificada e então ele/ela representou a amostra preferida com o personagem Smiley em um tabuleiro. A não-preferência não era uma opção. Por exemplo, o gosto doce foi avaliado pelo suco de maçã simples servido em pequenos copos de 30 ml a 18 ± 2°C com a referência contendo 0,53% de sacarose adicionada, enquanto que a amostra com alto teor de açúcar continha 3,11% de sacarose adicionada. O doce foi sempre testado antes da gordura. Para a degustação da gordura, os biscoitos foram preparados com a amostra de referência constituída de água, farinha, gordura (8%) e sal. O biscoito modificado continha 18% de gordura. A preferência pelo alto teor de açúcar (e gordura) foi registrada quando a criança escolheu o suco adoçado (o biscoitocontendo mais gordura) em detrimento da amostra de comida simples. Todas as amostras foram produzidas de maneira centralizada e enviadas para os centros de pesquisa. Para mais detalhes sobre este e outros módulos de exames, veja19, 20, 21.

Coleta de sangue: Nós visamos obter sangue em jejum de todas as crianças, seja via punção venosa ou amostragem capilar. Era de se esperar queuma quantidade razoável de crianças rejeitassem a punção venosa mesmo com anestesia local. Para garantir que dados básicos sobre distúrbios metabólicos estivessem disponíveis para o maior número de crianças possível, umponto de atendimento foi utilizado para medir a glucose no sangue, colesteróis HDL e LDL e triglicéridos em uma gota do sangue capilar da ponta do dedo da criança. Todas as amostras de sangue, soro, urina e saliva foram transferidas para um biorepositório central para coordenar as análises laboratoriais e garantir um armazenamento e manejo padronizados das amostras22.

Atividade Física: Para monitorar a atividade física, as crianças usaram um acelerômetro uniaxial (ActiGraph® ou ActiTrainer®) em um cinto no quadril por três dias consecutivos incluindo um dia de final de semana. Nas crianças em idade escolar, o acelerômetro foi conectado a um monitor de frequência cardíaca Polar® utilizado como cinto peitoral. A frequência cardíaca em repouso foi avaliada em conjunto com os testes de aptidão física. Aacelerometria foi complementada com um registro diário que era completado pelos pais ao longo do período de medição.

Aptidão física: Os componentes dos testes de aptidão físicas foram adotados de acordo com a bateria europeia de testes motores e cardiorrespiratórios (Eurofit battery) (teste de equilíbrio flamingo, back saver sit and reach, força de pegada manual, salto em pé, corrida de 50 m, teste shuttle-run – corrida de “ir e vir”)22que foram restritos às crianças em idade escolar.

Rigidez óssea: Ultrassonometria do calcanhar que mostrou boas correlações com a densidade mineral óssea avaliada pela absorptiometria de raios X de dupla energia (DEXA – dual-energy-x-ray absorptiometry) em adultos24 e crianças25, bem como em um alto valor prognóstico de fraturas ósseas em adultos26, foi incluída como um componente opcional para avaliar a rigidez óssea do calcâneo dos pés direito e esquerdo.

Gestão da qualidade

Todas as medições seguiram procedimentos de operação padrão detalhados (SOPs – standard operating procedures) que foram previstos no manual de pesquisa geral e finalizadas após o pré-teste de todos os módulos de pesquisa. O pessoal de campo de cada centro de estudo participou em treinamentos centrais e organizou sessões locais de treinamento posteriormente. O centro coordenador conduziu visitas a cada local de estudo durante pesquisas de campo para verificar a aderência do pessoal de campo aos SOPs. Os questionários foram desenvolvidos em inglês, traduzidos para as línguas locais e então traduzidos novamente para se checar erros de tradução. Todos os centros de estudo usaram o mesmo equipamento técnico que foi comprado de maneira centralizada para maximizar a comparabilidade dos dados.

As bases de dados e os questionários assistidos por computador incluíam controles de plausabilidade automatizados. Todas as variáveis numéricas foram digitadas duas vezes independentemente. Inconsistências identificadas por controles de plausabilidade adicionais foram retificadas pelos centros de estudo.

Para conferir mais sobre a qualidade dos dados, subamostras dos objetos de estudo foram examinadas repetidamente para calcular a confiabilidade inter e intra-observador de medidas antropométricas21. Além disso, a confiabilidade dos questionários foi conferida ao readministrar o CEHQ e perguntas selecionadas do questionário aos pais para uma amostra conveniente dos participantes do estudo. O consumo de comida avaliado pelo CEHQfoi validado com relação aos nutrientes selecionados medidos no sangue e urina29. O novo método para analisar o perfil de ácido graxo em uma gota seca de sangue foi comparado à análise padrão do soro e eritrócitos do sangue venoso. Um estudo de validação foi realizado para comparar acelerômetros uni e triaxiais em crianças e validá-los usando água duplamente marcada como padrão ouro, e também para validar medidas de composição corporal usando modelos de 3 e 4 compartimentos30. A ultrassonometriafoi comparada à DEXApara avaliar a densidade mineral óssea em uma amostra de crianças da Suécia e Bélgica.

 

Fatores de risco

Mensagens principais

O protocolo de mapeamento de intervenção32 foi aplicado para desenvolver os componentes da intervenção do IDEFICS. Baseada nos maiores fatores de risco suspeitos para o desenvolvimento da obesidade, isto é, atividade física, comportamentos alimentares e relacionados ao estresse, a intervenção IDEFICS focou em três principais áreas de intervenção como seis mensagens principais33: (1) aumente os níveis de atividade física diária, (2) diminua as horas diárias gastas em frente à TV, (3) aumente o consumo de frutas e vegetais, (4) aumente o consumo de água, (5) fortaleça as relações entre pais e filhos e (6) estabeleça padrões de duração de sono adequados (veja Figura 1).

Figura 1: As seis mensagens principais da intervenção do IDEFICS; as ilustrações foram usadas nos folhetos correspondentes por pais e crianças

 

Nós buscamos a literatura para recomendações aceitas nacional ou internacionalmente em relação às atitudes relacionadas à saúde listadas acima em respeito à prevenção da obesidade infantil (para detalhes veja34) e determinamos a porcentagem de crianças que “espontaneamente” concordaram com essas recomendações no padrão. A Figura 2 mostra a porcentagem geral de crianças que aderiram a essas recomendações. Uma figura mais detalhada é dada em.

A seguir, primeiramente resumiremos alguns principais resultados relacionados às atitudes abordadas na intervenção do IDEFICS antes de destacar alguns resultados adicionais como por exemplo em relação àsusceptibilidade genética.

Figura 2: Porcentagem de crianças que aderiram às recomendações baseadas nas seis mensagens principais da intervenção do IDEFICS.

 

Principais resultados relacionados às mensagens principais

Dieta: Várias fontes de erro de mensuração foram encontradas na operação com os dados alimentares. Em crianças pequenas, os dados alimentares são comumente avaliados de acordo com a opinião dos pais, o que pode resultar em erros de medição. Refeições e lanches não observados pelos responsáveis podem levar à subnotificação de certos alimentos e consumo total de energia enquanto que a dificuldade na estimativa do tamanho das porções/frequência de consumo, bem como o desejo social podem levar tanto a um aumento quanto a uma diminuição nos números da notificação35. No IDEFICS, a prevalência da subnotificação e da ênfase na notificação estimada, baseada na idade e sexo especificados nos limites de Goldberg (Goldberg cut-offs), foi de 8,0% e 3,4% (dados 24-hdr), respectivamente36. A prevalência da subnotificação aumentou com a contagem do IMC(BMI z-score), tamanho da casa, e era maior em grupos com menor renda. Especialmente a desejabilidade social e a percepção dos pais sobre o peso do filho pareceram afetar a precisão dos relatórios. Quando analisando as associações entre dieta e obesidade, elas foram fortemente afetadas ou mesmo mascaradas pelos erros de medida nos quais Börnhorst et al.37 descobriram que a consideração do relatório do estado e a inclusão de uma contagem de propensão para reportar algo de maneira incorreta foram ferramentas úteis para neutralizar a atenuação de estimativas de efeito.

Devido a esses problemas para avaliar corretamente o comportamento alimentar das crianças é difícil revelar associações individuais entre dieta e sobrepeso/obesidade: Usando um componente de análise principal, Pala et al.38 identificaram quatro padrões alimentares principais: lanches, doces/gorduras, vegetais/comida integral, e proteína/água no comportamento alimentar de crianças avaliado por questionários de frequência alimentar.Em uma análise de regressão mista multinível dos dados longitudinais com mudança na categoria IMC39 de peso normal/magro no T0 para sobrepeso/obeso no T1 como resultado, ajustado para o padrão IMC, idade, sexo, atividade física e renda familiar, observou-se um menor risco de se haver um sobrepeso/obesidade para crianças no maior tercil de padrão de consumo de vegetais/comidas integrais em comparação às crianças no menor tercil. Outros efeitos do comportamento alimentar podem ser observados ao se tomar a visualização de TV, que conta como potencial fator de risco.

Assistir TV: Lissner et al.40 investigaram a associação entre o tempo diário gasto assistindo-se TV e a presença de uma TV/vídeo/DVD no quarto da criança e o sobrepeso/obesidade ao estimar as razões de possibilidades ajustadas pelo sexo, idade e educação dos pais. Tanto ter uma TV no quarto da criança quanto o consumo de TV diariamente por mais de 60 minutos mostraram uma associação positiva com o estado de peso das crianças em todos os países40. Poderia também ser demonstrado que, independentemente das preferências de gosto, as crianças que assistiam mais TV tinham uma propensão maior a consumir alimentos com alto teor de gordura e/ou açúcar40.

Além disso, associações entre hábitos com telas e consumo de bebidas adoçadas foram observadas e poderiam também ser vistas longitudinalmente: crianças que foram expostas a comerciais de TV no padrão (T0) tiveram um risco maior de consumir bebidas adoçadas no T141. Uma análise longitudinal posterior revelou um impacto substancial no ato de assistir TV e outros hábitos com telas no consumo de bebidas açucaradas e no aumento no IMC42.

Atividade física: Um ‘índice de mobilidade’ foi desenvolvido como uma ferramenta para planejadores urbanos com o intuito de refletir oportunidades de atividades físicas no ambiente urbano das crianças. Baseado em dados geográficos, o índice integrou diferentes medidas urbanas como a acessibilidade de destinos, ou seja, playgrounds, espaços verdes e instalações esportivas, bem como a conectividade das ruas considerando intersecções, calçadas e ciclofaixas que foram avaliadas através de uma chamada abordagem de densidade kernel (Figura 3). Adicionalmente, a densidade residencial e o uso do solo foram incluídos no índice. Em um estudo piloto que foi conduzido na região de intervenção na Alemanha, mostrou-se que as oportunidades para atividades físicas na vizinhança urbana das crianças em idade escolar, isto é, rotas curtas e particularmente a disponibilidade de destinos, estavam positivamente associadas aos  níveis de atividade física.

Figura 3:Disponibilidade de playgrounds dentro da comunidade de intervenção alemã, Delmenhorst, estimada através da densidade kernel

 

A análise da atividade física concentrou-se em seu efeito sobre a rigidez óssea e estado de peso. A duração da atividade física moderada/vigorosa (MVPA – moderate-to-vigorous physical activity) mostrou enormes variações pela Europa44 e teve um efeito protetor contra o sobrepeso/obesidade, em particular em crianças em idade escolar.

A prevalência da obesidade foi elevada em crianças que se exercitavam menos do que os 60 minutos de atividade física moderada/vigorosa recomendados por dia (Figura 445).

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Figura 4: Duração da MVPA (intervalo de 60 segundos, Evenson) por idade e peso

 

Vida familiar: Baseado nos questionários aos pais, um ‘placar de qualidade de vida relacionado à saúde (QoL – Quality of Life)’ adaptado do Questionário para Medição da qualidade de vida relacionada à saúde em crianças e adolescentes KINDL (Questionnaire for Measuring Health-Related Quality of Life in Children and Adolescents KINDL)47, um ‘placar de dificuldades’ e um ‘placar de atitude pró-social’, em que os dois últimos foram adaptados do Questionário de Facilidades e Dificuldades48 e duas medidas de estilo de vida familiar foram construídos. O placar QoL relacionado à saúde mostrou uma variação substancial entre todos os países. Baseado em um modelo misto generalizado com o país como efeito aleatório, ajustado por sexo e grupo de idade, uma associação negativa entre o QoL e o sobrepeso/obesidade foi observada independentemente do statussocioeconômico das famílias. Em análises adicionais, nós especialmente consideramos a questão se os pais e seus filhos compartilham refeições familiares ao menos uma vez por dia (Você se senta com seu filho/a quando ele/ela consome as refeições?) como um valor para a vida familiar durante refeições. Aqui, nós observamos um claro gradiente de uma prevalência crescente de sobrepeso/obesidade em crianças variando de uma prevalência de 17,1% entre aqueles que sempre se sentam juntos a uma prevalência de 36,6% entre aqueles que reportaram que nunca/raramente se sentam juntos durante as refeições.

Sono: O comportamento de sono foi investigado com respeito aos fatores que influenciam a duração do sono, a associação da duração do sono e a obesidade, e as mudanças fisiológicas envolvidas nessa associação. A duração do sono mostrou uma variação marcada pela Europa, mas exibiu uma correlação ecológica com a prevalência do sobrepeso/obesidade49. Essa correlação foi confirmada pela análise do nível individual, conforme a duração do sono estava negativamente associada com o estado de peso, particularmente em crianças em idade escolar (veja Tabela 1)50.

AjustadoRP* >10h to < 11h >9h to < 10h < 9 h
Pré-escola 0.93 (0.63; 1.36) 1.08 (0.73; 1.61) 1.38 (0.87; 2.19)
Escola 1.46 (0.96; 2.22) 1.88 (1.23; 2.86) 3.53 (2.24; 5.54)
Todos 1.10 (0.84; 1.45) 1.36 (1.03; 1.80) 2.22 (1.64; 3.02)

*ajustado por idade (contínuo), temperatura ambiente (contínua), região na Europa (norte vs sul)

Tabela 1:Razão de Possibilidades (RP) e intervalos de confiança (IC) de 95% para a associação entre duração de sono e sobrepeso/obesidade (referência > 11 horas)

 

A regressão linear múltipla e os modelos de regressão de quantis confirmaram uma relação inversa entre duração de sono e medidas de sobrepeso/obesidade. O estimado para a associação de duração de sono e o índice de massa corpórea (IMC) foi aproximadamente diminuído pela metade após ajuste para massa adiposa (MA), mas permaneceu estatisticamente significante. A força dessa associação foi também marcadamente atenuada quando ajustada pela insulina principalmente para os quantis maiores de IMC. Isso significa que a relação inversa entre a duração de sono e o IMC é principalmente explicada pela associação entre a duração de sono e a MA. A insulina pode ser a resposta parcial dessa associação, em particular no limite superior da distribuição do IMC.

Resultados adicionais

Rigidez óssea: Sioen et al.51 investigaram a associação entre vários marcadores de gordura corporal e o estado ósseo que foi avaliado pela rigidez óssea do calcâneo por ultrassonografia. Análises de correlação parcial, análises de regressão linear, e a análise de covariância (ANCOVA – Analysis of covariance) estratificada por sexo e grupos etários mostrou que as crianças pré-escolares com maior IMC tinham um índice de rigidez do calcâneo (SI – Stiffness Index) inferior, enquanto que crianças de escola primária com maior IMC tinham um índice de rigidez do calcâneo mais alto. Após ajustar para a massa livre de gordura, tanto crianças da pré-escola quanto do primário mostraram uma associação inversa entre o IMC e a rigidez do calcâneo. Assim, a massa livre de gordura parece ser uma cofundadora nas associações entre SI e o estado de peso em crianças da escola primária, mas não em crianças na pré-escola. Nós concluímos que a massa muscular é um importante determinante da rigidez óssea.

Suscetibilidade genética (para abreviações, favor ver a Tabela 2): A análise do gene FTO (Ref.-SNP 9939609) mostrou que a razão de possibilidades para sobrepeso/obesidade era elevada em 40% entre crianças carregando o alelo AA em comparação ao alelo TT. Associações positivas similares foram encontradas para a circunferência da cintura, razão entre a cintura e altura e a soma das dobras cutâneas. Essas associações foram confirmadas nas análises longitudinais mesmo após ajuste por idade, sexo, país, grupo de intervenção e IMC no T0.

Também foi investigado53 se o NMU de polimorfismo de nucleotídeo único (SNPs) e haplótipos, bem como o ADRB2 SNPs funcional, estão associados com a rigidez óssea em crianças. Uma pergunta adicional foi se o NMU e o ADRB2 interagem entre si. O raciocínio por trás dessa pergunta é se o metabolismo da energia e massa óssea são regulados pela neuromedina U, codificada pelo gene NMU, que é um neuropeptídeo hipotalâmico, enquanto os efeitos dos hormônios e neurotransmissores catecolamina no osso são mediados pelo receptor beta-2 adrenérgico, codificado pelo gene ADRB2. Após ajuste para múltiplos testes, o índice de rigidez (SI) foi significativamente associado com todos os NMU SNPs. Um decréscimo não significante no SI foi observado nos homozigotos ADRB2 rs1042713 GG, enquanto que crianças com genótipos de redução no SI em ambos os SNPs (frequência!=!8,4%) mostraram muito menos rigidez óssea do que as que não tinham a redução. Assim, foi pela primeira vez mostrado que o gene NMU sofre um impacto na regulação da força óssea através de uma interação com o gene ADRB2.

Marcador genético Abreviação
Adrenérgico beta 2 ADRB2
Carnitinepalmitoyltransferase 1A CPT1A
Massa adiposa e gene associados à obesidade FTO gene
Ácido graxo sintase FASN
Receptor de insulina INSR
Receptor de leptina LEPR
Ácido ribonucléico mensageiro mRNA
Neuromedina U NMU
Receptor ativado por proliferador de peroxissoma α PPARα
Portador de soluto família 27 (transportador de ácido graxo), membro 2 SLC27A2
Tabela 2: Listados marcadores genéticos e abreviações correspondentes

 

Biomarcadores: A análise dos biomarcadores transcricionais no sangue periférico mostrou o seguinte: altos níveis de expressão de CPT1A, SLC27A2, INSR, FASN, ou PPARα foram indicativos de menor risco para o estado de resistência à insulina ou dislipidemia associada com a obesidade, enquanto que os níveis baixos de LEPR mRNA apareceram como um marcador de alto colesterol de lipoproteína de baixa densidade, independentemente do índice de massa corporal54.

Percepção gustativa sensorial: Uma característica única do estudo IDEFICS foi a avaliação dos limiares de sabor e preferências de sabor para revelar possíveis associações com o sobrepeso/obesidade em uma abordagem de base populacionalcom um grande número de objetos de estudo. A análise cruzada55 da pesquisa padrão mostrou que tanto a preferência pela gordura quanto pelo açúcar foram independentemente associadas com o estado do peso. Crianças com uma preferência por gordura adicional e aquelas com uma preferência por açúcar adicional tinham chances significativamente maiores de estar com sobrepeso ou obesas, apenas mudando o tipo de cofundador. As associações positivas com o sobrepeso/obesidade foram vistas em todos os grupos de idade e ambos os sexos, mas foram mais acentuadas em meninas.

 

Conclusõea e perspectivas para o futuro

O resumo acima de alguns dos resultados obtidos do coorte IDEFICS confirma que a obesidade infantil resulta de uma interação de uma variedade de fatores do estilo de vida relacionados à saúde. O ambiente, as condições sociais, pressões econômicas e estilos de vida familiares têm drasticamente mudado nas últimas décadas. Geralmente, ambos os pais trabalham e em consequência o tempo passado com a família e os  filhos, é limitado. Refeições feitas em casa, com ingredientes caseiros, são substituídas por alimentos industrializados e fast food. Preocupações sobre a segurança das ruas, disponibilidade limitada de espaços para brincar, excesso de exposição à TV e aumento no tempo de jogos em computadores também removeram as atividades físicas das vidas cotidianas das pessoas jovens. Essas mudanças impactam profundamente a saúde das crianças, particularmente aquelas nos grupos mais vulneráveis.

Com base no coorte IDEFICS, o estudo I. Family (www.ifamilystudy.eu) quer desvendar os fatores em jogo e a sua complexa interação com mais detalhes, como por exemplo os determinantes do comportamento alimentar e a escolha de alimentos.O seu objetivo final é identificar alvos para intervenções efetivas e apoiar o desenvolvimento de políticas, habilitando mais famílias a fazer escolhas saudáveis. Algumas das crianças do IDEFICS estão agora conhecendo mudanças pela puberdade, conforme estão na transição entre ainfância e idade a adulta. Mesmo se as crianças adotassem uma alimentação e padrões de atividade saudáveis, suas vidas mudariam consideravelmente à medida em que elas se tornassem adolescentes. Rotinas saudáveis podem facilmente ser perdidas e substituídas por hábitos pouco saudáveis, talvez por conta da influência do marketing ou da pressão dos amigos. Essa fase de transição tem que ser cuidadosamente estudada para se ter um conhecimento mais profundo sobre os efeitos das mudanças no estilo de vida que possam manter a saúde ou possam causar problemas de saúde em uma perspectiva ao longo da vida.

 

Referências

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